Não foi apenas um show….foi um espelho do que também somos!

 
 

 

Nesse dia 25 de abril, por sinal uma data linda por ser o dia que comemoramos a Revolução dos Cravos em Portugal, contra a Ditadura truculenta de Salazar em 1974 ( mas essa é outra história que aqui se conecta pela mesma data e contexto de uma triste história em comum), fui ao Show Tempo Rei de Gil, sua última turnê que celebra 60 anos de carreira desse compositor, cantor, ex ministro da Cultura do segundo mandato da presidência de Lula no Brasil e que junto a Caetano Veloso e outros grandes artistas brasileiros da música, do teatro, da literatura, da poesia, fundou o movimento tropicalista no Brasil.

Assim então,  a Tropicália foi um movimento cultural brasileiro, concentrado entre os anos de 1968 e 1969, que marcou profundamente diversas formas de expressão artística na música, o cinema, o teatro, a poesia e as artes plásticas.

 

Posto esse preambulo, venho contar para vocês, a minha experiência , os meus sentimentos nesse show. 

Primeiro, que fui me dando conta que não era apenas um show, mas que a cada canção ele tava ali nos contando a história da cultura, da política e da diversidade étnica brasileira. Me dei conta pelas imagens apresentadas, pelos figurinos que ele vestiu, pela iluminação, por todo um movimento que acontecia no palco. 

Depois fui invadida pela tropicália mesmo, por esse movimento que se não fosse a Ditadura no Brasil, talvez nos colocasse num cenário político e cultural muito mais progressista do que esse que nos encontramos, porque é um movimento de olhar para nossa diversidade e nos reconhecer, olhar para nosso movimento antropofágico de 22 do século XX e reinventar nossa própria brasilidade.

Depois percebi que ele estava apresentando todos os ritmos musicais do Brasil de norte a sul do País e nos dizendo, olhem no espelho, se reconheçam.

Ele trouxe Chico Buarque num enorme telão, pra falar da censura às letras no período da Ditadura Militar no Brasil, os chamados anos de chumbo que durou de 1964 a 1985. E foi aí que ele cantou Cálice e eu não fiz questão alguma de conter meu choro.

Chorei por tantas e tantos companheiras, companheiros e companheires que foram torturadas(os/es) nos porões da ditadura, pelas pessoas desaparecidas e pelos que sabemos que tiveram suas vidas ceifadas.

Nesse momento gritei em coro com o público: Sem Anistia!!!!! É simplesmente perturbador, saber que ainda agora, muitos de nós, brasileiros defendem o retorno da Ditadura no Brasil e que ainda não estamos imunes a esse desvario psíquico de massa que assola parte da nossa gente! Que a vacina que tanto aguardamos possa chegar com gosto de justiça!

Não sei ao certo a ordem exata em que se deu o show, mas tenho recortes de momentos que me tocaram sobremaneira. Dois deles quando Gil cantou “Refavela” e nos mostrou o Brasil que somos, um Brasil Preto, com uma ressignificação da bandeira brasileira!

Tão simbólico falar da bandeira nos tempos atuais e ressignifica-la com a nossa brasilidade. Reafirmar a nós mesmos: O Brasil é preto!, sem nos permitir fechar os olhos para o genocídio do povo preto nas periferias do Brasil. Nossas vidas importam, nos deixem viver! 

Foi aí que duas canções reafirmaram a brasilidade e a beleza dos corpos negres: com Liniker cantando “Realce”com Gil e com “Andar com fé eu vou”, quando entra a maravilhosa e belíssima corporeidade afrobrasileira de Bela Gil dançando com a malemolência Brazuko- Africana. Corpos negres, cheios de beleza e brasilidade!

 

 Num dado momento eu percebi que algo maior acontecia, que ele estava mesmo fazendo um ritual de cura. Ele trouxe fogo de verdade pra cena da pista onde estava o público, nesse momento de “realce”e em outras canções também. Eu não tava a fins de ficar filmando e fotografando o tempo todo e esse momento foi muito forte. Consegui editar de um vídeo um fragmento desse momento!

Ali senti a inteireza do Gil: O Gil Tropicalista, o Gil Político, o Gil Libertário, o Gil Griô, o Gil Xamã! Quanta honra poder perceber essa inteireza!

Foi aí que ele começou cantar canções que nos colocavam em volta de uma fogueira como “No Woman, No Cry”, “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, “Estrela” e ” A gente precisa ver o luar”, que novamente não segurei o choro, porque ali ele mostrou nossa forma de amar e reafirmou mais um aspecto da sua inteireza: sua feminilidade. No telão, a imagem era das nossas florestas , quer mais feminino que isso? Ao nos reafirmar sua feminilidade, novamente parece nos convidar: olhem no espelho! Essa é a alma brasileira!

 

“Drão” foi mais um ponto alto! No telão exibiam as fotografias da infância de seus filhos com uma de suas esposas: Sandrão. Soube que ontem ainda foi mais emocionante com a presença de Preta Gil, que você também pode conferir no Instagram oficial de Gil.

O amor que Gil nos apresenta não é o do excesso na paixão, é um amor terno, suave, maduro, de reconhecimento das dores que uma relação amorosa também traz, mas sem mágoas, sem dramas, com responsabilidade. Veja o que ele fala na canção:

“Drão, os meninos são todos sãosOs pecados são todos meuDeus sabe a minha confissão, não há o que perdoarPor isso mesmo é que há de haver mais compaixão.”

Essa é a masculinidade que desejo que se espalhe feito sementes férteis pelo Brasil, de homens que saibam amar as mulheres de forma terna, responsável, respeitosa, sensível, cuidadosa e equânime. 
 
Já tínhamos ai por volta de 2h40m de “show” e aquele homem não se cansava, sentou-se ao palco pra cantar umas três ou quatro músicas acústicas apenas. Que vitalidade, que voz! Algo que impressiona muito pois Gil está com 82 anos! Que vida é essa que diante de nossos olhos nos apresenta um Brasil é que pra reverenciar!
 
Eu pensei nessa hora que podia mesmo era chover! Tempestade que lava tudo! Daquelas igual eu peguei num show dos “Doces Bárbaros”em 2004, quando ao final do show na Praça da Paz, no Parque do Ibirapuera, caiu uma tromba d’água como nunca peguei na vida! Memorável!  Foi outro ritual de purificação que vivi com essa gente baiana que tanto amo!
 
A tempestade que eu queria não veio, mas veio a canção “Toda menina Baiana”com uma chuva de papel que foi apoteótico! Fiquei igualzinho criança, querendo que um pedacinho daqueles papéis caísse na minha mão, pra eu levar um pedacinho daquele ritual e consegui com a ajuda da minha mana Arlete, pegar esse papelzinho.
 

E quando Gil sai de cena, ainda nos deixa com seu clássico “Sitio do Pica Pau Amarelo”onde eu e minhas manas , dançamos e cantamos, recordando nossas infâncias, cheio de sacis pererês, cucas, e os encantados da floresta!

 

 

No final gravei nosso êxtase  ao vivo no TIKTOK, diante desse que foi mais que um show, foi um ritual de purificação e um banho de brasilidade! Clique no link em êxtase no fim do show abaixo para te direcionar ao vídeo:

 

Em Êxtase no fim do “show”

 

E assim eu deixo vocês meus querides leitores ! Nesse Jardim onde temos muitas flores para além dessa que acabo de lançar semente. Conheça esse Jardim, veja quantas flores há aqui. Não se assuste com o farfalhar das asas da Mariposa. Deixe aqui também seu perfume e ajude a espalhar as sementes desse jardim. 

Esse post é para as/os que foram a esse mais que um show, e também as/aos que aqui vão degustar as imagens e a minha narrativa, peço que deixem aqui abaixo nos comentários suas impressões e que compartilhem com outras pessoas pra me ajudar a proliferar as essa semente e subir o algoritmo, para que mais pessoas possam colher os frutos que possam brotar. 

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 

Aischa, Naíme, Aninha e Arlete, as punks da periferia, aqui pra vocês!!!!!

Na ordem da esquerda para a direita e de cima para baixo: Aischa Mourad, Naime Silva, Aninha e Arlete Torquato