Olá meus leitores, tenho novidades! Agora você pode não somente ler a arte e reflexões que me travessam, como também ouvir essa arte e reflexões pelo podcast Mariposa ao Pé 🦶🏾 do Ouvido 🦻🏾.
Esse podcast é na verdade a segunda parte de um dos projetos que tenho construído há uns 5 anos que consiste nesse blog, no podcast e no Ateliê O Jardim da Mariposa.
Jardim todos ja puderam ler por aqui pela enorme inspiração de Epicuro, um grande Mestre que me acompanha há algumas décadas que acreditava que a busca da Sabedoria e da Ética poderia ser construída da Filia, na Amizade, ao congregar amigas, amigos, amigues para que os laços de amizade fosse construídos no conhecimento e amor `a sabedoria.
Mariposa porque esse arquétipo me conduz desde bem pequena as reflexões acerca das transformações da vida, para as grandes e pequenas mortes, para as mortes do cotidiano e para o presságio da morte. Para o recolhimento,`a hibernação, a saber esperar, à paciência, a libertação e `a leveza. Um baita aprendizado que me conduz a uma jornada nessa vida constantemente desafiadora, porém tão interessante!
O Podcast Mariposa ao Pé 🦶🏾 do Ouvido 🦻🏾 , é constituído de séries. Cada série traz pra sua audição um diálogo diferente que pode ser um poema meu ou de outro artista, uma leitura de oráculo , que faz parte do meu rezo de todas as manhãs na minha conexão com o sagrado que há em Mim, reflexões, entrevistas, leitura de histórias, contos, lendas, mitos e afins, leituras de trechos comentadas ou discutidas em grupos de autores em educação, psicologia, artes ou filosofias. Ou seja, o blog segue os mesmo temas e formato desse blog, mas agora para sua audição.
Sua estrutura então por enquanto está assim:
1. Série :Poemas da Mariposa- By Naime Silva
2. Série: Contoterapia- contos, mitos e histórias épico- narrativo pra movimentar sua alma
3. Série : leituras Oraculares- na voz deNaíme Silva
4. Série:Pílulas Freirianas – trechos comentados do pensamento e obra de Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira
5. Série: JUng-ando conversa fora- um bate papo informal com especialistas sobre o pensamento e Obra de Carl Gustav Jung
6. Série: Filia no Jardim: Entrevistas com filósofos e aprendizes sobre temas filosóficos
Tanto o Jardim da Mariposa quanto a Série Filia no Jardim é inspirado no pensamento epicurista e No Jardim de Epicuro.
Hoje vamos inaugurar a série “JUNG-ando Conversa Fora”, que pode trazer leituras de trechos do pensamento junguiano comentadas ou não, entrevistas ou bate papos em grupo ou duplas sobre a narrativa Junguiana.
Inauguramos hoje com a leitura de um trecho do livro Os fundamentos da Psicologia Analítica” no parágrafo 320, onde Jung nos arrebata com seu pensamento sobre a relação analista e analisando, que sinceramente dispensa comentários.
Você encontra o Podcast Mariposa 🦇ao Pé 🦶🏾 do Ouvido🦻🏾 no agregador Spreaker, no Spotify e no Google Podcast.
A semana passada foi mais uma semana impactante pra mim no mundo das artes. Fiz uma oficina fantástica de Teatro-Documentário com o Prof Dr. Marcelo Soler.
Aprendi que nós atores e atrizes, temos uma influência profunda com o teatro ficção numa concepção modernista e que o Teatro-Documentário traz a potência do pacto documental. Essa outra maneira de pensar as artes da cena constitui-se como uma nova forma de fazer teatro contemporâneo.
Um jeito novo de se viver o teatro, a realidade social, as poéticas, as expressões criativas!
Nessa oficina pude fazer dois rascunhos cênicos documentais:
Nesse primeiro rascunho, eu tinha que me apresentar de maneira documental. Trouxe como documento, elementos cênicos que sim, falavam de mim, mas eu ainda não tinha compreendido a força e potência do pacto documental e acabei trazendo uma apresentação de mim mesma de forma muito ficcional. Ficou assim:
Na segunda apresentação, a proposta foi trazer uma cena da pandemia.
Aqui me debrucei sobre um tema dentro da pandemia, mas me preocupando em não estabelecer o mais do mesmo ou uma forma clichê. Assim, precisei fazer uma pesquisa sobre o tema, uma pesquisa documental, a busca dos elementos cênicos como documentos, a formulação de um texto/ relato, a gravação desse texto/relato em um áudio, a escolha de uma música que também pode ser considerado um documento.
Outra situação interessante foi que eu pedi avaliação de duas pessoas antes de submeter o rascunho na oficina e meu objetivo era avaliar o pacto documental no olhar do interlocutor do rascunho cênico documental. As impressões que tive me levaram a refletir sobre a força do documento explícito e sua veracidade, bem como de documentos implícitos ou que evocassem a imagem de documentos factuais.
O tema que escolhi eu já havia feito dele um conto de fadas, um poema e Story Telling.
O assunto desse tema foi o estupro da menina de 10 anos por seu tio e sua saga por hospitais de vários Estados Brasileiros para a realização de um aborto, e mesmo depois da justiça determinar a autorização do procedimento, eu quis trazer a reflexão de todas as humilhações e violências institucionais vividas pela menina.
Nessa pesquisa eu trouxe muitos documentos explícitos como matérias jornais da época e implícitos como bonecas, mochilas, massinha de modelar, alça de sutiã que serviu de amarras aos olhos e boca da boneca. Importante lembrar que tanto no primeiro rascunho, quanto no segundo, eu tinha menos de um minuto pra cumprir o desafio e mesmo assim extrapolei o tempo. Abaixo o Vídeo/Teatro-Documentário Pandemia_2020 e os documentos/elementos cênicos escolhidos:
Meu poema foi citado num dos episódios do Podcast Chutando a escada, no link abaixo, bem como publicado aqui no Jardim da Mariposa conforme links abaixo:
Quinze dias antes eu tinha realizado um curso de Story Telling com o Prof Dr Ivan Mizanzuk, onde aprendi técnicas muito parecidas com o teatro-documentário, mas num contexto Literário e com metodologias de autores estadunidenses bem específicas de contar histórias.
E assim, pude reescrever um conto que havia escrito de forma épico-narrativo, agora na metodologia do Story Telling, que compartilho aqui com vocês:
Quero contar pra você que esse trabalho com o conto de fadas, foi provocado pelo meu diretor de Arte, prof Adanias de Souza, do nosso grupo de teatro Acorda Alice, que já tem mais de 35 anos. Esse trabalho está se constituindo num projeto tão grande e incrível que me fez estabelecer parcerias com artistas maravilhosos no campo da música, que na altura certa, eu venho divulgar aqui pra você, flor do meu Jardim.
Aguardo gentilmente seus comentários sobre meu trabalho que vai se descortinando aos longo de tantas décadas, sobre as Artes da Cena, as artes dos contos épico-narrativos, as artes das histórias, das poéticas, da composição musical, da Filosofia, da Arteterapia de Base Junguiana, da Literatura e da Educação de crianças pequenas e supervisão e formação profissional de professoras/res.
Agradeço aos mestres incríveis Marcelo Soler, Ivan Mizanzuk e Adanias de Souza pela profundidade desses conhecimentos e vivências práticas da Arte da Cena e do Campo da Literatura.
Uma análise critica sobre o horizonte da humanidade nas futuras gerações
Eu e minhas companheiras de Jardim nascemos em uma época em que a internet e os computadores não existiam. A força do rádio e da TV como mídias eram muito mais presentes em nossas vidas. Computadores e o mundo virtual passaram a fazer parte de nossa cultura apenas no fim dos anos 90. Essas reflexões sempre estiveram em nossa relação dialética, fomentando continuamente bons debates. Trago um desses debates nesse ensaio, a qual eu e Magda, no curso de pós graduação em Gestão para a Educação Básica em 2007, na UNIFMU, perspetivamos uma mirada diferente para a geração que iria nos suceder. Obrigada por pousar na flor desse jardim!🌷
Magda Edgmar Rodrigues Rocha Naíme A. Silva
“Considerate la vostra semenza: Fatti non foste a viver come bruti Ma per seguir virtute e conoscenza” Dante, a Divina Comédia
Resumo
Este ensaio traz uma proposta de levantar algumas reflexões sobre os caminhos que a humanidade tem traçado para as futuras gerações. O impacto das novas tecnologias, o avanço das Ciências exatas e Genética, parece nos apontar caminhos que levem a humanidade, ao bem comum. Porém, estes avanços aliados à ganância de poder, capital e exploração humana, podem também levar a incertezas de um futuro não muito promissor. No filme Matrix, o personagem Neo precisa escolher entre tomar pílulas rosa ou azul, para, mais do que escolher as cores destas, definir continuar submerso em um sonho irreal do final do século XX, ou ser o escolhido para travar a batalha na realidade da Matrix e entender que o Contexto em que sua geração nasceu e cresceu não passava de um mero programa de computador. A batalha na Matrix era então para preservar o pouco de humanidade que ainda restava contra a invasão da inteligência artificial criada pela própria humanidade.
A trama do filme Matrix parece estar intimamente ligada ao drama da humanidade em nossa era contemporânea, buscar respostas com o “Arauto”, que coloca enigmas da Filosofia para desvendar quais os caminhos para vencer a dominação da Humanidade sobre sua própria invenção: a ciência e a tecnologia.
Este artigo tem como objetivo discutir e trazer a reflexão o afastamento da Filosofia do cotidiano da humanidade.
A Filosofia antiga revela períodos na historia Grega. Desde o pensamento Naturalista ao buscar o principio unitário de todas as coisas, o pensamento sistemático sob as bases da lógica, da ciência, da metafísica, para o pensamento ético preocupado com as questões morais e o religioso na busca de resolução para os problemas na fé. Deste período Grego da Filosofia antiga para os tempos atuais , percebemos que o “pensar” ainda está restrito a uma “elite” da alma, do espírito, da racionalidade de poucos Seres. No século XX e XXI, temos em Husserl, Heidegger, Nietzsche e Freud, questionamentos sobre os fenômenos e valores, nossa existência e da importância da nossa sexualidade para construção do self.
No entanto, toda esta elaboração refinada e rebuscada da compreensão humana, do pensar sobre o conhecimento, a ética, a moral, não parece refletir de forma mais sólida e intensa em nossa contemporaneidade.
A Filosofia como dúvida, investigação, busca de um bem comum e da preservação da vida, nos parece ter sido relegado a poucas “mentes brilhantes”.
A Filosofia deveria estar presente em nosso cotidiano, nas coisas mais simples, na infância, na juventude, com anciãos. Acreditamos que este entendimento seria uma forma de levar a humanidade como um todo a busca da harmonia entre conhecimento construído e a cultura popular, entre a Ciência , tecnologia, arte, ecologia, na busca da felicidade em meio a diversidade em todos os níveis. O resgate do sentido do tempo e do trabalho para o bem comum, do trabalho como forma de realizar cultura.
Este artigo pretende defender a idéia de que se faz urgente o espaço para o pensar de forma consciente sobre que existência desejamos ter no futuro.
Discussão
No mundo atual, nos parece que a humanidade tem uma lógica utilitária e funcional diante da vida. Esta lógica também parece trazer a ilusão de que se algo não nos serve, devemos eliminá-la. E assim vamos destruindo tradições culturais, reservas ecológicas, espaços de convivência, e no lugar disso, colocamos conhecimentos destituídos de sentidos, busca incessante de consumo que supra nossas inquietações psicológicas, espirituais e mais do que isso, destruímos na realidade, nossa ligação com o ecossistema, com o ciclo da vida.
No mundo ocidental, nos centros urbanos, nas grandes metrópoles que detém o monopólio do conhecimento cientifico e da economia predominante, da produção que sustenta a todos; as crianças têm pouco ou quase nenhum contato com o ciclo da vida. Tudo parece produzido de forma mágica até ser retirado de uma prateleira nos supermercados. Estas mesmas crianças há algumas gerações, acompanham seriados e desenhos animados na televisão e cinema que numa concepção hollywoodiana determina que sempre haverá aqueles que querem dominar o mundo pelo desejo de poder, ciência e consumo.
Ortiz (1999):
Estrelas de cinema, ídolos de televisão (hoje projetados mundialmente pela TV a cabo e pelo satélite), marcas de produto, são mais do que objetos. Trata-se de referências de vida. As viagens de turismo, as visitas à Disney World, as férias no Caribe, a freqüência aos shopping centers, os passeios pelas ruas comerciais fazem parte de um mesmo imaginário coletivo. Grupos de classes médias mundializadas podem assim se aproximar, se comunicar entre si. Eles partilham os mesmos gostos, as mesmas inclinações, circulando num espaço de expectativas comuns. Neste sentido, o mercado, as transnacionais e a mídia são instancias de legitimação cultural, espaços de definição de normas e de orientação da conduta. Sua autoridade modela as disposições estéticas e as maneiras de ser. Da mesma forma que a escola e o Estado se constituíram em atores privilegiados na construção da identidade nacional, as agencias que atuam num nível mundial favorecem a elaboração de identidade desterritorializadas. Como os intelectuais, elas são mediadores simbólicos.
As crianças neste sentido, parecem ser adestradas desde muito pequenas a acreditar que a felicidade é obter coisas, numa concepção que é mais valoroso TER do que SER. E que para tanto é necessário dispensar de disputa, violência, egoísmo e poder. Marcuse (1973) enfatiza:
Bertolt Brecht notou que vivemos numa época que parece crime discutir sobre uma árvore. Desde então, as coisas pioraram muito. Hoje, parece crime falar meramente sobre mudança, enquanto a sociedade em que vivemos é transformada numa instituição de violência. (p. 128).
A mídia e as tecnologias revelam uma nova situação para o final do século XX e inicio do século XXI: o tempo e o espaço andam paralelamente e operam em dois campos, o real e o virtual. Mas nesta lógica não é impossível afirmar que o virtual tem substituído com cada vez mais força o real. Em Marcondes Filho (2002) encontramos:
Mas o acoplamento simultâneo de dois mundos leva, necessariamente, à degradação de um deles, indubitavelmente, do mundo antigo, do mundo-base, do mundo – referencia para todas as construções no mundo dos espaços virtuais: entramos na civilização do esquecimento. (p.137).
O final do século XX e inicio do século XXI traz uma variedade de filmes na Industria cinematográfica que parece apontar um futuro para a vida da humanidade. No século XX, na década de 70, o seriado para a TV, Jornada nas Estrelas e o desenho animado Jetsons mostra um aparato tecnológico traçando uma ordem futurística como ficção científica. Em jornada nas estrelas, já havia celulares, computadores super avançados, com veiculação de comunicação pela imagem por meio de câmera em telas gigantes e teletransporte. Anos depois, acompanhamos a invenção dos celulares, web cam e outros aparatos de alta tecnologia. Em Blade Runner no inicio da década de 80, as telas de cinema nos trazem os replicantes, seres-máquina que possuem sentimentos e são escravizados em estação intergaláctica. Em contrapartida, a década de 90, a Ciência traz estudos do genoma, células- tronco e clonagem de seres humanos.
Mezan (1987) ao citar Freud afirma:
Os cientistas são, como afirma em O Futuro de uma Ilusão, os servos do Deus Logos,cuja voz, por apagada que seja, é insistente e não descansa enquanto não se faz ouvir. “Nunca pude compreender porque deveria envergonhar-me de minha origem ou, como já começava se dizer então, de minha raça. Renunciei, pois, sem grande emoção a conacionalidade que me era negada. Pensei, com efeito, que para um zeloso trabalhador sempre haveria um lugar, por modesto que fosse, nas fileiras da Humanidade laboriosa…”(p.48)
Na América, na maioria das grandes metrópoles, há um aumento populacional que se espreme geograficamente, dando espaço a uma selva de concreto. O capital nas bolsas de valores é moeda virtual que determina para quase todo o planeta a economia no mundo Globalizado. As pessoas se alimentam vorazmente em fast-foods, apresentando altos índices de obesidade mórbida, e problemas cardíacos. Aterros sanitários já não dão mais conta da quantidade de lixo produzido e não aproveitado e o lixo atômico também é cada vez maior na atmosfera. Em nome e sob um discurso pela liberdade, a América prossegue insana levando as nações a acreditarem que somos criadores e a tudo podemos e não criaturas da Natureza e como parte dela, a preservando, nos preservaremos e nos perpetuaremos. O ciclo da vida perde-se neste caminho. Concordamos com Marcuse (1973):
O fetichismo do mundo de mercadorias que parece tornar-se mais denso dia a dia, só pode ser destruído por homens e mulheres que despedaçaram o véu tecnológico e ideológico que oculta o que está acontecendo, que encobre a realidade insana do todo – homens e mulheres que se tornaram livres para desenvolver suas próprias necessidades, para construir, em solidariedade, seu próprio mundo. O fim da coisificação é o princípio do indivíduo: o novo Sujeito da reconstrução radical. E a gênese desse Sujeito é um processo que desintegra a estrutura tradicional da teoria e pratica radicais. (p.127).
Os produtos globalizados são muitas vezes produzidos pela vergonhosa exploração da força de trabalho de crianças e jovens, de homens e mulheres trabalhadores rurais, que humildes, não possuem informação e nem reflexão sobre o domínio de suas vidas, sem saber que são vitimas da mais valia tão falada pelo materialismo dialético de Marx. Esta dialética também foi apontada por Hegel: (…) Na fenomenologia do espírito, Hegel nos fala de uma dialética do senhor e do escravo, que o Ser do escravo encontra-se alienado no Ser do senhor. (apud ORTIZ, p. 78, 1999).
O desequilíbrio ecológico tem deixado pistas de que o planeta não vai bem. A água potável tem tempo de vida, o buraco na camada de ozônio tem se ampliado, a Amazônia tem sido devastada cada vez mais a cada nova década. Nos centros urbanos não há predadores na cadeia alimentar. E assim convivemos com o aumento da população de ratos, baratas e insetos transmissores de epidemias. Marcondes Filho (2002):
Os novos espaços, tanto os concretos espaços ciderais, objetos da nova Marcha para o Oeste, como as comunidades “ realmente inexistente” das cidades eletrônicas virtuais relêem o mundo e dão vazão às fantasias numa era em que o planeta vai ficando cada vez mais a mercê de si mesmo, cada vez mais espaço de dejetos de todos possíveis, desde o lixo atômico, os alimentos envenenados, o ar irrespirável, os solos contaminados, até as próprias massas humanas desalojadas, abandonadas, sumariamente liquidadas em guerras limpas. A própria revolta, o protesto, a indignação estão estruturalmente dependentes das tecnologias em tempo real. (p. 137-138).
Mas tudo parece continuar no plano da invisibilidade, multidões de miseráveis também são tratados como ratos repugnantes e na sua grande maioria são negros. Segundo Ortiz (1999) em um Outro território: ensaios sobre a mundialização:
[…] a América cada vez mais se vê como uma composição de grupos, mais ou menos irradicáveis em seu caráter étnico. O dogma multiétnico abandona o propósito da historia, substituindo a assimilação pela fragmentação, a integração pelo separatismo. […] O todo encontra-se estilhaçado, o centro ameaçado pela desunião. Não é o julgamento de valor implícito no diagnóstico de Schlesinger – a busca pela organicidade perdida da nação-, que me parece mais interessante. Mas o retrato de um povo que, no passado recente, possuía uma auto estima de si mesmo. Ele não revela apenas a face de um único país. Trata-se de uma condição do mundo contemporâneo. Isso não significa que a sociedade se descompôs – os países continuam funcionado em todo os seus níveis -, ou que o Estado-nação se diluiu no enfrentamento desses vetores identitários. Mas mudou o contexto. No seio da sociedade moderna, industrial ou pós-industrial, surge um leque de referentes que se atravessam, se chocam, se acomodam, organizando a vida dos homens.
Atribuímos tamanha invisibilidade, e essa apatia coletiva ao distanciamento da convivência em comunhão que dava aos antigos sentido à vida, ao distanciamento da tradição cultural, a não reflexão sob as bases da Filosofia.
A Filosofia é vista como um conhecimento para poucos, para os “cultos”, que não é prática, não leva a nada e a lugar algum. No mundo contemporâneo, todos têm medo da dúvida, não há tempo para a contemplação. Talvez seja uma atitude para “loucos”. Dominados pelo desejo e pela paixão, os seres buscam o prazer imediato, apagando as tradições culturais do passado e não refletindo sobre o futuro. Sem planejamento e cuidado às futuras gerações. Em Nietzsche (1887) podemos refletir:
Como é necessário que o homem, para dispor assim de antecipação do futuro, tenha começado por aprender a separar o acontecimento necessário do fortuito, a pensar de maneira causal, a ver o distante e a antecipar-se a ele como se estivesse presente, a fixar com segurança o que é objetivo, o que é meio para atingi-lo, de maneira geral a calcular, a saber calcular- como foi necessário que para isso o próprio homem se tivesse primeiramente tornado calculável, regular, necessário, até em sua própria representação de si, para chegar desse modo a poder, como o faz um ser que promete, estabelecer-se como garantia de si mesmo como futuro. (p. 56-57).
O filme Matrix, apresentado no final do século XX, revela para o novo século um mundo irreal, programado, submerso no lixo das máquinas que dominam a humanidade. Também aponta que só um retorno ao pensamento filosófico seria capaz de deter um possível esgoto de tecnologia, a Matrix. Marcondes Filho (2002)enfatiza:
Ciberespaço é o espaço criado na era tecnológica. Espaço novo, desconhecido nos 2.500 anos anteriores de cultura ocidental, inexistente materialmente, para onde ninguém pode se dirigir caminhando, de carro ou de avião. O único meio de acesso é a tela do computador. Isso leva a supor que a tela é, ao mesmo tempo, uma porta, um buraco, que, como um túnel, nos faz chegar ao novo mundo. Como um holograma, é plano, mas tem múltiplas dimensões. Curiosamente, é um espaço paradoxal, pois nele se entra, permanecendo-se no mesmo espaço físico anterior. Fica-se assim, de uma só vez, em dois mundos paralelos em que comutamos como se se tratasse de duas vidas separadas. (p. 136).
O mundo virtual chegou para ficar. Num primeiro momento chegou de maneira anárquica, subversiva, oferecendo a sensação de liberdade de pensamento, sem restrições, sem censura e formando uma rede de informações, de comunicações, de possibilidades. Mas também fez das pessoas escravos de sua aparente liberdade, talvez numa solidão coletiva. Também coloca às pessoas uma nova linguagem, uma outra lógica, uma nova compreensão sobre o corpo real e um corpo sem massa corpórea, o virtual . Brinca com o tempo e com o espaço, deixando as pessoas à mercê de seu jogo hipnótico. E a WEB, lugar possível e realizável, também exclui um número grande de pessoas que mal aprenderam ainda a lógica cartesiana da “rudimentar” leitura e escrita em papel, tipografada. Marcondes Filho (2002):
Comutar com o mundo virtual significa transferirmos-nos “fisicamente” para outro espaço, um espaço não – concreto. No passado, isso era feito mediante as formas da fantasia, nos passeios do imaginário. Mas eram sempre caminhadas individuais, solitárias, não compartilhadas. O inovador neste novo território é que ele não é imaginário; é real, mas não é concreto, é proter real, ao lado do real, como se diz de Quéau. É múltiplo, social, não é produto de minha fantasia isoladamente. Ele existe. (p. 137).
Desta forma, o mundo virtual determina e controla nosso cotidiano sob várias formas: como em nossas contas bancárias, cartões de crédito, meios de transporte… A era do Terror ( ismo) parece ter acrescido de estratégias tecnológicas ainda mais avançadas esta lista de controle do mundo virtual em nosso cotidiano.
Mesmo coisas simples da vida cotidiana obrigam e escravizam a todos a utilizarem o mundo virtual.
Dialética do senhor e do escravo. Segundo Hegel, o senhor arrisca sua vida na luta e, ao vencê-la, torna-se senhor. O escravo, com medo da morte, nada arrisca, aceitando por isso sua condição de escravo, o que o torna algo como uma “coisa” nas mãos do senhor. Contudo, na relação entre os dois um movimento dialético inverte os papéis: desaprendendo a fazer as coisas, o senhor torna-se dependente delas, vira escravo do escravo; já o escravo torna-se senhor delas, por poder dominá-las, e, com isso, senhor do senhor. Além do mais, o senhor não se realiza plenamente, pois o escravo, “reduzido a coisa”, não constitui o pólo dialético adequado para o senhor. O escravo parte do desejo: o desejo é uma forma de negar o mundo, e seu verdadeiro fim é a afirmação da consciência. A subjetividade só se afirma na medida em que o desejo se apóie sobre uma outra consciência, isto é, um outro desejo. Para cada consciência em si mesma, a outra é a negação de si, e esta negação se exprime por uma luta mortal. Aceitando o devir escravo para preservar sua vida, um dos dois reconhece o outro como senhor; segue-se que ambos se reconhecem como outros, nenhum tem de fato consciência de si; ela não se conhece a não ser na alteridade. Cf. Hegel, A fenomenologia do espírito.
O retorno e aproximação da formulação do pensar em contemplação com a natureza, na filia, no exercício pela busca da felicidade é uma necessidade para homens e mulheres, convivendo em comunhão e harmonia consigo, com o(s) outro(s), com todas as formas de vida. Não seria possível conciliar esta forma de existir com os avanços da Ciência e da Tecnologia? A humanidade por meio de reflexões e prazer por sua cultura não poderia repensar sua forma de contar o tempo, de qual sentido há nele e no espaço para a existência individual e comum? Qual legado humano será deixado às futuras gerações?
O estudioso de Psicanálise Mezan (1987) nos aponta:
Investigação, portanto, das origens, do sentido do oráculo, que implica um desvendamento paulatino do passado e termina com a reconstrução da trajetória do individuo com um “tu és isto”, como diz algures Jacques Lacan. (p.57).
A tecnologia, porém, não possui algumas questões puramente humanas: o enigma da morte, a criação de mitos e Deuses, a fé, a espiritualidade.
Esta capacidade moral, cultural, o controle dos impulsos mais primitivos da alma humana são possibilidades que a humanidade ainda dispõe para harmonizar e dar sentido a existência em consonância a construção do conhecimento das Ciências e tecnologia, voltadas ao bem comum.
Conclusão
Este pensamento imediatista do século XX nos leva a questão: Qual o futuro da humanidade? Seria possível aliarmos Ciência, tecnologia e reflexão filosófica de maneira mais coletiva? Seria possível preservarmos nossos bens naturais ecológicos? Qual o caminho da humanidade? Como trazer a Filosofia a luz da Educação que em essência deveria ser seu lugar? Como libertar as mentes humanas das amarras do pensamento funcionalista, positivista, cartesiano? Como podemos refletir de maneira mais coletiva, a nossa participação como ser vivo mais importante do planeta, porque dotado de alma, poder referenciar-nos na harmonia do cosmos? Como construir filia, esta intimidade na amizade e na reflexão sobre a ética como bem viver, voltado à felicidade e à virtude? Como desconstruir a idéia de que nascemos para ter e não para ser? Como cuidamos da infância de nossos filhos e netos? Qual geração está se formando? Qual humano está originando?
O que haverá se não houver de fato uma contra ordem, uma desobediência contra qualquer forma de opressão da vida humana biológica, mental e espiritual? Marcondes Filho (2002) enfatiza como vivemos nessa era:
A virtualização – como as máquinas da inteligência artificial – é um tipo de limpeza, depuramento, salvação da espécie. Já que não conseguimos resolver nossos problemas terrenos, já que a revolução não vingou, já que as esperanças de transformação da humanidade estão fora de moda, o homem ainda tem uma chance: pode se depurar nas tecnologias. É o pensamento técnico que expulsou do âmbito do possível todas as outras formas de pensar, todos os outros modos de se revelarem as coisas, que não seja o técnico. O virtual é a nossa redenção. (p. 137)
Como vamos trazer a luz estas reflexões em nossa realidade local? Em nosso contexto cotidiano? Parece-nos que um dos grandes desafios é trazer para o âmbito da Educação este debate da Filosofia como o farmacon, um remédio para a mentes sob o véu do obscurantismo, da violência, da degradação de nossa espécie.
Referências Bibliográficas
DANTE, A. A Divina Comédia. Inferno, Canto 26, versos 118, 119 e 120.
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
MARCONDES FILHO, Ciro. O espelho e a mascara: o enigma da comunicação no caminho do meio. São Paulo: Discurso Editorial; Ijuí: Editora Unijuí, 2002.
MARCUSE, Herbert. Contra- revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
MEZAN, Renato. Sigmund Freud: a conquista do proibido. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
NIETZSCHE, F. A genealogia da moral. São Paulo: Escala.
ORTIZ, Renato. Um outro território: ensaios sobre a mundialização. 2 ed. São Paulo: Olho D’ água, 1999.