Sobre as poéticas de Mário e o território Central das Infâncias numa cidade perdida num tempo de delicadezas

No mês de julho desse ano (2019), a obra Macunaíma de Mario de Andrade, completou 91 anos. Mário – como diria nossa mestra e criancista Marcia Gobbi, profa da Faculdade de Educação da USP – o crianço. 

Mário, para além de poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta, fotógrafo e organizador da cultura brasileira; foi um homem que respeitou absolutamente as culturas infantis quando chefe do departamento de cultura da prefeitura do município de São Paulo, em 1935. 

Vejo que nós pouco valorizamos nossa pedagogia brasileira em nome de ingerirmos enlatados pedagógicos ou até mesmo boas práticas educacionais , mas que são importadas ou construídas a partir de suas culturas locais. 

Uma pedagogia que sustente as nossas raizes, a nossa efervescente cultura, a nossa antropofagia brasileira, ainda é uma pedagogia pouco compreendida, pouco respeitada, pouco defendida e vivenciada no chão das escolas por nossas/os educadoras/res! 

Poucos são aqueles e aquelas que estudam a fundo Mário de Andrade e sua pedagogia macunaímica, como diz Profa Ana Lucia Goulart de Faria. Uma pedagogia da poesia, da arte, do teatro, da vivência da cultura brasileira e das culturas infantis. 

Em 2015, comemoramos os 80 anos de Educação Infantil, quando escrevi sobre uma das práticas educacionais brasileiras dessa pedagogia que vivi como coordenadora pedagógica na EMEI GABRIEL Prestes, a escola que foi uma das precursoras da Virada Educação junto ao Movimento Entusiasmo e que levou centenas de crianças em cortejos poéticos as ruas do território central de São Paulo. 

                

 

Deixo abaixo esse relato publicado na revista Magistério e o link pra que você possa baixar a revista que tem muitos artigos sobre o tema em comemoração aos 80 anos desde que Mário de Andrade, legitimou na cidade de São Paulo, os parques infantis, que hoje são as nossas Emeis.

                                                          

O texto também fala dos indicadores de qualidade da Educação Infantil e é fundamental recobrarmos esse debate, quando vivemos um momento de ameaças desse processo que foi construído a tantas mãos e tantas vozes na rede, garantindo a participação do coletivo e organizadas com delicadeza e afinco pelas profas e pesquisadoras Maria Malta Campos, Bruna Ribeiro e Sonia Larrubia Valverde. Como também não posso deixar de lembrar aqui e destacar a pesquisa de doutorado da profa Meire Festa que tão bem vem fazer uma análise critica de toda implementação dos indicadores. que também deixarei abaixo para vocês os links para os indicadores e avaliando na educação infantil, aprimorando os olhares e para a tese de doutorado da profa Meire Festa. 

   

Aos educadores/ras que vem a essa página buscar referências educacionais humanizadoras,  saibam que criticamos enfaticamente uma prática na educação infantil mecanicista, conteudista, ranqueadora, classificatória e despolitizada e que imponham pacotes educacionais empresariais às escolas. 

Defendemos que a educação de crianças bem pequenas seja vivenciada pelo olhar das próprias crianças, de seu envolvimento com a vida e a natureza, sob um olhar poético, artístico e humanizador, respeitando os saberes construídos pela comunidade em que as crianças habitam, portanto, uma pedagogia macunaímica, ou uma pedagogia como prática de libertação rumo a um pensamento questionador e uma alma filosófica.

Agradeço a Sonia Larrubia Valverde e a Rosangela Gurgel, educadoras criancistas a época da Divisão Tecnica de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação (2013/ 2016) que sempre confiaram nas nossas ações na EMEI Gabriel Prestes e me convidaram a escrita desse relato de prática. 

Trago então aqui uma tantinho dessa baita construção coletiva a partir do meu olhar numa cidade perdida num tempo de delicadezas.

Mais uma vez agradeço sua presença aqui no Jardim da Mariposa para conhecer esse trabalho construído delicadamente por tantas criancistas queridas! 

 

Relato de prática

Cafés com Poesia da EMEI gabriel Prestes estreitando os vínculos e ampliando os diálogos

Por Naime Silva

Coordenadora Pedagógica da EMEI Gabriel Prestes.

Manhã de quase outono, abrimos nossas portas e nosso coração para os encontros, para a brincadeira, para a música indígena, para o cheirinho de pão de queijo, cheirinho de tapioca, para o biscoito feito pelas crianças na cozinha experimental, para a oficina de arte com as crianças, para as famílias sentadas em volta da mesa do café da manhã, dialogando sobre o quanto é rica a experiência de estarmos juntos.

 

As famílias vão chegando de mansinho, quase que amanhecendo na escola, despertando pra beleza que se colocava na manhã de sábado. 

A poesia estava em todos os lugares, na profusão de cores das chitas, nas produções de arte das crianças, na belezura das palavras de amor estampadas por todos os lugares, no aconchego do mobiliário, no cheirinho da torta de queijo feita pelas crianças, nas canções arrebatadoras do cordelista Costa Senna que cantou contra as guerras e a ganância dos seres humanos, ponto alto de emoção, pois estávamos na presença de nossa família mulçumana do Iraque.         

A  poesia também estava presente na fala das crianças que com um coraçãozinho de papel falavam aos adultos: “Me diga uma coisa bonita”. 

A poesia estava na alegria do repente “Casarão” de Adão Fernandes, que de forma ágil, constrói em prosa e verso a discussão das famílias sobre suas pre- ocupações em garantir a infância no ensino fundamental de seus filhos e filhas, do desejo que começa a tornar-se coletivo de ocupar a Chácara Lane em tempo integral e com educação integral de maneira a interdisciplinar educação, cultura e arte no território central da Cidade de São Paulo.

       

Assim são os encontros dos “Cafés com poesia” da Escola Municipal de Educação Infantil Gabriel Prestes, que têm contado com a organização da equipe da escola em parceria com o Movimento Entusiasmo e o Instituto Alana.

Outro ponto alto do diálogo, foi a preocupação em trazer mais famílias para receber os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana. Momento importantíssimo de autoavaliação institucional, onde toda a comunidade educativa discutiu as nove dimensões indicadoras de qualidade que abordam o conhecimento da proposta político-pedagógica: ambientes, materiais, espaço, interações, múltiplas lingua- gens, gestão democrática, educação para igualdade racial e de gênero, como os bebês e as crianças pequenas são ouvidas e se a voz delas é considerada na rotina da instituição.

Uma semana antes, uma provocação com poemas é lançada aos educadores pelos organizadores. O poema de Alberto Caeiro, “Agora que sinto o amor”, do livro Poesia Completa foi lido em um encontro.

Agora que sinto amor

Tenho interesse nos perfumes

Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro. Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia

São coisas que se sabem por fora.

Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça Hoje as flores sabem-se bem num paladar que se cheira Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver

Alberto Caeiro

Além das rodas de conversa e leitura do poema, as crianças criaram painéis de arte inspirados nele e passaram a criar com suas famílias os seus próprios poemas. Os cafés com poesia passaram a ser mensais tendo como objetivo discutir os problemas das famílias, a forma de educar os filhos e filhas e a escolaridade na região, bem como a política de infância para o território e a cidade.

 

Referências 

Avaliação na Educação Infantil: aprimorando olhares

avaliacao_na_ed_inf_aprim_olhares.pdf

Blog do Poeta Costa e Sena

http://poetacostasenna.blogspot.com/p/cordeis.html?m=1

Campos, Maria Malta at all A qualidade da educação infantil: um estudo em seis capitais Brasileiras

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742011000100003

Casa do Mario de Andrade

http://casamariodeandrade.org.br

Emei Gabriel Prestes- portal da Educação SME/ PMSP

http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Page/PortalSMESP/EMEI-Gabriel-Prestes

Emei Gabriel Prestes Fanpage Facebook 

https://m.facebook.com/profile.php?id=1592459884328189&ref=content_filter&_rdr

Faria, Ana Lucia Goulart. Pequena infância, educação e gênero: subsídios para um estado da arte

http://www.scielo.br/pdf/cpa/n26/30394.pdf

Festa, Meire. Tese Doutorado

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-27082010-161948/publico/MEIRE_FESTA.pdf

Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana

Indic_Ed_Inf_Paulistana.pdf 

Andrade, Mario de, Macuinaíma

Clique para acessar o Macuna%C3%ADma.pdf

Ocupação Mário de Andrade

https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/mario-de-andrade/exercicio-cotidiano-de-vida/?content_link=15

Revista Magistério 80 anos Educação Infantil

Rev_Magisterio_80_anos.pdf

Ribeiro, Bruna Indicadores da qualidade na educação infantil: potenciais e limites

http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/reveducacao/article/view/1899

Site Movimento Entusiasmo

http://gitatecnologia.com/entusiasmo/

Site Virada Educação 2015

http://nossacausa.com/eventos/virada-educacao-2015/

2 respostas para “Sobre as poéticas de Mário e o território Central das Infâncias numa cidade perdida num tempo de delicadezas”

  1. Que Jardim poético e repleto de memórias. Uma narrativa escrita a partir de uma história tecida na educação infantil pública da cidade de São Paulo. Escrita por uma educadora que acredita na potência das meninos e dos meninos, no acolhimento e diálogo com as familias, que tem uma escuta atenta, que defende e luta para promover as infâncias na educação infantil. Parabéns querida Naime, grande criancista!!

    1. Rosangela, as vezes é necessário olhar nossas pegadas no chão pra ver que não estamos sós, apesar de não sabermos o que vai dar e onde vamos chegar! Olhar pra esse tempo de delicadezas dá um calorzinho do pertencimento na história e a gente fica forte! Abraço forte e solidário com a força da nossa luta!

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