Sentia em seu coração uma música e a tocava, na tentativa de alegrar e contemplar aquelas trabalhadeiras. As via, ligeiras, passarem para cá e para lá, naquele calor de verão e aquele movimento todo, fazia-na compor uma música para aquela dança. Gostava de contemplar, via poesia, música e dança em tudo a sua volta. Era capaz de passar todo o verão ali alegrando o labor exaustivo e obstinado daquelas operárias.
E assim foi, não somente no verão, mas também com o outono, onde ficou um tanto mais difícil, pois sua canção disputava espaço agora com Zéfiro, o vento, que além de trazer a nova canção, também trazia novas danças. Sem contar que a movimentação anterior daquelas trabalhadoras incansáveis diminuiu o ritmo. Agora era uma ou outra, que carregava nas costas, as últimas frutas derrubadas pelas árvores, para a dispensa de sua casa.
Mas ela permanecia ali, naquele galho, a tocar sua canção que quase não alegrava mais.
As noites começaram a ficar mais longas e o frio mais intenso começou a chegar e pouco a pouco a neve já substituía todo aquele cenário colorido, num branco reluzente.
Por um instante, pensou em bater a porta da casa daquelas trabalhadeiras incansáveis, mas não tinha forças para chegar até lá, pois a neve do inverno estava intensa e ali mesmo, sob o galho onde morava, foi sentindo se desmanchar todo seu corpo em pensamentos.
Junto com esses pensamentos, vieram uma sucessão de outros que se somaram aos primeiros.
Ali, parada, hipnotizada, a menina contemplava um formigueiro, as plantas ao redor, uma pequena cigarra, e se sentia uma gigante invisível! Desincorporada do corpo onírico da cigarra e numa contemplação hipnótica, agora de volta ao seu quintal, pensava que talvez aquela história também podia ser a sua.
E se alguém mais gigante que ela diante das formigas a contemplasse brincando no quintal? E se o tempo fosse um fractal de um espelho dobrado que reflete infinitas portas de intemporalidade? E se ela fosse tão pequenina como uma formiga pra uma outra realidade maior que ela? Como ela poderia ser tão gigante e aqueles seres tão pequenos não poderiam vê-la? Logo, ela ali, uma menina gigante que num golpe mortal, poderia mata-las?
Não, ela não faria isso! Porque amava contemplar os seres pequenos, os insetos de seu quintal, de seu universo de brincadeiras! Mas ela era uma menina gigante diante de um formigueiro, que sequer sabia que ela estava ali a transferir as histórias de Lá Fontaine, outrora ouvidas pelos adultos.
E se ela também fosse uma formiga para outro universo? Será que ela corria risco de ser pisoteada? Ou será que alguma menina gigante que também amava a natureza a contemplava sem que ela visse? E se ela se desmanchasse em pensamentos dessa menina e fosse na verdade uma personagem de uma história que ela nem conhecia?
De repente, um vento mais forte lhe tirou daqueles pensamentos, fazendo-a perceber que a noite caia e um friozinho de outono já se fazia presente.
Sim, seus pensamentos desmancharam feito um relâmpago, diante de um grito:
-Vem pra dentro minha filha, que o jantar tá pronto!
E correndo pelo quintal, pra dentro de casa, se pôs a menina a dançar com Zéfiro, deixando no oco do formigueiro suas inquietações existenciais.
Conto escrito para VI Concurso Literário de Contos de OINAB-Sul – 2021, Org. Internacional Nova Acrópole Brasil, por Naíme Silva, A menina gigante